Ok, criei coragem e vou começar um novo blog. E antes de outra coisa qualquer, tenho uns negócios que preciso dizer aqui.
Tinha uma época, até pouco tempo atrás, em que eu fazia parte de praticamente tudo o que é maioria, vê só: eu era homem, era cisgênero, era branco, era heterossexual, não tinha nenhuma deficiência física (nem mental), ainda era considerado jovem, tinha crescido na zona sul do Rio de Janeiro, era magro, sei lá do que mais estou esquecendo. Nessa época, eu achava que não existia muito preconceito por aí. Quero dizer, eu sabia que existiam pessoas preconceituosas, mas na minha opinião bastava resolver esses casos isolados adequadamente e pronto, tudo ficava certo de novo. De todos os privilégios que uma pessoa tem por ser maioria, esse é um dos melhores – poder acreditar genuinamente que, fora poucas exceções, há respeito igual, direitos iguais e oportunidades iguais pra todo o mundo. De algumas dessas maiorias uma pessoa até pode sair (ou entrar) ao longo do tempo, mas eu continuo sendo parte de todas elas. Aconteceu foi que por umas pequenas coisas eu passei a não ser mais tão maioria assim:
Primeiro eu virei vegetariano, e deixei de ser uma pessoa igual a todo o mundo, que comia de tudo, e fiquei sendo um cara ‘fresco’ (não gosto dessa palavra, mas a uso aqui porque é disso que me chamam) que prefere às vezes não almoçar e continuar com fome a comer o arroz que ‘tem só um pouquinho de carne’.
Depois eu decidi que a faculdade de psicologia que eu tinha feito e a minha teórica carreira futura nessa área não me serviam e abandonei a profissão, então deixei de ser uma pessoa que ‘tinha um futuro pela frente’ e passei a ser um cara que estava ‘perdido’, ‘tendo uma crise de adolescência’ e ‘andando para trás na vida’.
Aí eu achei que já tinha passado tempo demais no Rio de Janeiro e precisava conhecer outros lugares, e fui viajando por aí sem rumo certo e sem data pra voltar, então deixei de ser uma pessoa que tinha casa, raízes etc. como toda pessoa de bem e passei a ser um cara ‘doido’, que ‘não se importa com as pessoas’ e por isso as ‘abandona’.
E acabei indo morar um tempo na Finlândia, então continuei sendo uma pessoa que tinha crescido na zona sul do Rio de Janeiro, mas lá isso não tinha significado nenhum, lá eu era só um imigrante não qualificado.
Não quero que pareça que eu considero comparáveis esses eventos com a discriminação bem mais pesada direcionada contra quem não faz parte das maiorias que citei ali em cima (na verdade acho que ser imigrante não qualificado se compararia, mas o fui por muito pouco tempo), mas pra mim essas mudanças alteraram drasticamente minha experiência pessoal do preconceito. Porque tudo bem, eu não sofri discriminação pesada nunca mas, como já disse, eu era parte de muitas maiorias e estava acostumado a não sofrer discriminação nenhuma, então essas mudanças me abriram uma janelinha para o outro lado e eu comecei a entender tudo diferente. Comecei também a ler um bocado sobre preconceitos – discussões intermináveis em fóruns, blogs feministas, hoje baixei pela primeira vez um livro sobre o assunto – e comecei a entender melhor.
Comecei a entender, por exemplo, como freqüentemente se rouba a identidade de uma minoria para manter a diferença de poder, porque não dar o direito a uma pessoa de se definir, de dizer exatamente quem e o quê ela é, deixa a pessoa confusa, solitária e enfraquecida. Se eu decidi virar vegetariano, isso não é quem eu sou agora, isso não é um passo para me aproximar mais de uma ética que eu considero desejável, os outros sabem que não tem nada a ver com ética – é pura frescura! Se eu abandonei minha profissão antiga em favor de um novo caminho, esse caminho não é quem eu sou agora, os outros sabem que o caminho certo é continuar na carreira – e se não estou andando para a frente só posso estar andando para trás! Se eu não quero ficar vivendo no mesmo lugar de sempre, se quero viver outras situações em outras culturas, isso é incompatível com me importar com meus amigos aqui, os outros sabem que
na verdade eu não me importo com ninguém, e provo isso abandonando todo o mundo! Eu não sei quem eu sou, os outros é que sabem e insistem em me dizer isso a todo momento…
Uma das histórias de me roubarem identidade mais fortes pra mim foi quando eu tava lá na Finlândia, trabalhando de braços e pernas para uma pessoa tetraplégica, acompanhando ela numa clínica de reabilitação no meio do mato. Ela ia receber a visita de um primo, que vinha dos EUA, e eu fiquei feliz por aparecer uma pessoa diferente com quem conversar, mesmo que só por uma tarde. Aí ele chegou, com as filhas de idade próxima da minha, as duas trabalhando em cargos de bom status social, fazendo pós-graduação, coisas assim, e estávamos ali conversando todos em inglês. Lembro que ele, vendo que eu estava num trabalho não qualificado, me perguntou se eu estudava e estava de férias, que planos tinha para quando acabasse meu contrato com o fim do verão, etc. Eu disse que não sabia, mas que não estudava e que não planejava voltar a estudar nada tão cedo, que ia ver se arranjava outro trabalho na Finlândia, se ia mudar de país, como é que ia ser. Aí ele me solta a pérola: “Mas ué, então o que você vai ser quando crescer?” Eu fiquei meio chocado, sem reação, pensando – o que esse cara tá querendo dizer? Aí minha chefe entendeu e respondeu: “Não, ele já estudou, ele é psicólogo”. E ele soltou um “Ah, sim” com aquele tom de alívio. Deixa eu repetir a ver se entendo: estava ali um completo estranho, que tinha acabado de me ver pela primeira vez na vida, que provavelmente nunca mais me veria de novo, que não sabia nada sobre mim a não ser o que eu acabara de contar e ele se julgou no direito de determinar o que era uma trajetória correta para minha vida e dizer na minha cara que se eu não estava seguindo uma trajetória próxima dessa, então era que eu ainda não tinha crescido! E ao saber que eu era psicólogo ele achou que entendeu quem eu era, porque o que define uma pessoa é a sua profissão, segundo o que ele tinha acabado de decidir sozinho. Então tá.
O pior dessa história aí em cima é que o cara parecia ser de outra forma uma pessoa completamente normal e razoável. Isso é outra coisa que levei um tempo pra entender: o preconceito que existe não é coisa de casos excepcional, é um negócio sistemático que vem de todo lado. Eu sou alvo em iguais proporções de pessoas que são minhas amigas e pessoas que não gostam de mim, de pessoas razoáveis e pessoas estúpidas, de pessoas que me conhecem desde pequeno e pessoas que acabaram de me ver pela primeira vez. Porque as estruturas sociais e culturais que fabricam e mantêm preconceito estão aí, e todo o mundo cresce debaixo delas e assim aprende a repeti-las, sem nem saber o que está fazendo. Quem não pensa sobre ou não se preocupa com isso repete sempre; quem pensa e se preocupa freqüentemente escorrega e repete. Mesmo as pessoas que são vítimas freqüentes.
Eu tinha planejado aqui vários exemplos pra ilustrar preconceitos (especificamente roubos de identidade) contra várias minorias, mas já ficou muito grande o texto e vou pôr um só:
Esse quadrinho é do XKCD, um site de quadrinhos que sempre leio. O título desse é “How it works”, ou “Como as coisas funcionam”, e minha tradução vai assim: na primeira parte, um homem escreve uma asneira matemática no quadro e outro homem diz: “uau, você é péssimo em matemática”, na segunda parte uma mulher escreve a mesma asneira e um homem diz: “uau, mulheres são péssimas em matemática”. Situação bastante comum, não? Vejo essa ou variações dela muitas vezes por aí. E olha como é nesse tipo de situação o roubo de identidade pelo uso de um estereótipo: o homem está livre, ele tem o direito de ser ruim em matemática sem que isso pese sobre nenhum outro homem, isso é apenas sobre ele e não determina outros aspectos de sua personalidade ou suas capacidades. Por outro lado, a mulher, ao ser encaixada num estereótipo, deixa de ser um indivíduo e passa a ser a representante de uma categoria. Assim, ela perde identidade em primeiro lugar por passar a ser associada com outros aspectos do estereótipo, além da habilidade matemática. Em segundo lugar, ela perde identidade pela atuação do estereótipo como profecia auto-realizadora, porque se uma pessoa é ruim em matemática, sempre pode ser que ela mude através de esforço ou ajuda, enquanto que se todas as mulheres são ruins em matemática, isso é da natureza delas e não adianta nem tentar mudar, ué. Em terceiro lugar, perdem identidade todas as outras mulheres, porque cata exemplo que atende um estereótipo é visto como prova de que ele está certo, e vai portanto fortalecê-lo e contribuir para que reflita e pese sobre todas as outras mulheres. Isso numa frase só, dita sem pensar.
E antes de sair do quadrinho, deixa eu apontar o dedo para outro aspecto dele: esse é claramente um quadrinho feminista, porque mostra uma situação preconceituosa comum e, por ressaltar o absurdo dessa situação, se posiciona contra ela. É também um quadrinho minimalista, os bonecos são de palitinho e nem rosto têm. Mas peraí – minimalista mesmo são os homens, a mulher é estabelecida como tal pela adição de cabelos. Os homens, nesse quadrinho, são absolutos; a mulher é relativa aos homens.
E não importa se o autor do quadrinho fez isso porque na cabeça dele o homem é que é o padrão de ser humano, ou se foi porque achou que na cabeça dos outros é que isso acontece e ninguém entenderia que a mulher é mulher se ela tampouco tivesse cabelos, ou até se foi por puríssimo acaso – quando ele fez o quadrinho assim, mesmo se foi sem querer e mesmo tendo denunciado uma estrutura preconceituosa, ele fortaleceu outra que também é preconceituosa.
Pronto, basta. Eu sei que estou sendo super-super-ficial aqui, mas eu vou escrevendo mais sobre isso, imagino. Um dia também escrevo a introdução a esse blog, que não é só sobre um assunto. A quem quiser ler mais sobre feminismo e preconceitos em geral, recomendo fortemente que leia a Lola se quiser ler um blog em português, que leia a Harriet se quiser ler um blog em inglês e que vá ao Feminista se quiser baixar livros e artigos.
Fora isso tudo, o que eu queria mesmo dizer é isso: eu sei perfeitamente que já roubei identidade de um monte de gente e já reforcei sem querer vários outros tipos de preconceito contra diversas minorias. Provavelmente ainda faço isso às vezes sem notar. Mas, a partir de agora, assumo responsabilidade por isso. Ainda não sei bem o que fazer com essa responsabilidade, mas acho que escrever isso aqui é um passo e aos poucos vou descobrindo outros. Enquanto isso, estou bravo pra caramba com esse negócio todo.
P.S.: O clipe do post.
Primeirocego, este é uma excelente maneira de começar um blog, logo com um excelente texto. Gostei muito! Muito sucesso pra vc. E obrigada pela citação.
Aliás, se quiser escrever um guest post sobre a sua descoberta dos seus privilégios, eu publico lá no meu bloguinho. Pense nisso com carinho, tá?
Oi, Lola, obrigado pela visita! Fiquei feliz mesmo com teu comentário aqui.
E claro que eu escrevo um guest post pro teu blog com o maior prazer, depois te mando um e-mail sobre isso, ok?
E aí Henrique, como vai?
Por onde andas? Resolveu fincar raízes, ou continua perdido no mundo (brincadeira cara, foi só para fazer alusão ao seu texto)?
Apesar de longuíssimo, consegui me concentrar e ler seu blog e achei… muito bom! Só não entendo como você, uma pesso esclarecida há tempos só percebeu essa força do preconceito agora perto dos 30.
Enfim, não sei se terei a disciplina de acessar sempre seu blog a cada novo post. Portanto, se puder avisar por email, será mais fácil ser frequentador assíduo.
Grande abraço e vamos tentar marcar novo encontro com o pessoal.
Salve!
Então, ainda tô no Rio, mas não finco raízes aqui não, tô só lagartixando um pouco, um dia desses eu parto por aí.
Bom que você gostou, e respondendo ao seu não entendimento, é difícil mesmo ter uma perspectiva realista do preconceito sem ser alvo de nenhum tipo – sempre foi mais fácil pra mim ignorar… mas bom, não mais.
Tentei dar um jeito aqui de fazer você receber avisos de atualização automaticamente, mas ainda não aprendi a usar o site direito. Depois eu consigo.
Abraço!
Mussoi,
Já conversamos sobre preconceito antes e a vantagem do texto é que você consegue ‘ouvir’ os argumentos alheios sem fazer interrupções.
Li os argumentos todos disso que eu vou considerar uma ‘parte 1’ que não do seu blog, ao menos da continuação de uma discussão qualquer vindoura. E acabo por me/te perguntar se há diferença entre conceito e preconceito. Acho que não e a questão está na configuração de nossa mente ocidental cartesiana (o pós-modernismo fica na filosofia e na arte, mas não anda na rua) e na nossa linguagem.
Toda palavra é uma metáfora. Todo conceito uma delimitação feita por opostos. Usar as palavras é usar de conceitos pré-concebidos.
Quando alguém fala ‘mulher’, a imagem mental que nos ocorre por si só já é uma delimitação.
Lutar contra preconceitos começaria por lutar com a palavra. Lutar contra preconceitos seria administrar os danos, pela impossibilidade a sua causa.
Enfim… Foi bom te ler esse texto.
Obrigado pelo comentário, Felipe!
Essa é sim uma parte 1 do blog, e é claro que vai ser ótimo continuar a discutir isso contigo pessoalmente.
Sobre todo uso de uma palavra ser o uso de um conceito pré-concebido e necessariamente limitante, concordo contigo e acho que isso é, pelo menos em parte, inescapável.
Mas a minha luta aqui não é contra isso, não é contra as palavras inteiras – eu acho que os conceitos passam a ser problemáticos, passam a ser preconceitos, quando são usados não só para limitar, mas também para definir uma relação de poder desigual. Por exemplo, os conceitos ‘homem’ e ‘mulher’ são usados não só para limitar quem pertence a esses grupos, mas também definem uma relação em que um grupo é mais forte que o outro, em que um grupo oprime e o outro é oprimido. Ou os conceitos que usam às vezes para se referir a mim, como ‘fresco’ e ‘maluco’, que não servem só para me limitar, mas também para me dizer: ‘Tua opinião vale menos que a minha’. O que eu quero é tirar um pouco do significado desses conceitos, para que deixem de representar desigualdade entre pessoas ou grupos.
Não sei se ficou claro, tenho de pensar mais sobre isso…
Oi Henrique, muito bom saber de você, “que abandonou todos os seus amigos quando viajou!” (ehehe! desculpa.. não podia perder a piada!). 🙂
Adorei o texto! Mas isso eu nem precisava dizer porque já te falei que escreve muito bem. Concordo com algumas coisas, outras não, mas o importante é discutir, ouvir a opinião de outras pessoas e formular nossas próprias conclusões. Enfim… já sei que vou virar uma leitora “quase” assídua (todo mundo está com o tempo curto hoje, né?!), como no outro blog.
Uma bjka e vamos marcar algo com o pessoal!
Ana
Ué, se o importante é discutir e você não concorda com algumas coisas, então diz lá quais são, né? Se não cadê a discussão? 😛
Beijo!
H
Oi, Henrique!
Ainda bem que existem as palavras, pois é sempre um deleite ler os teus textos!
É interessante como pequenas coisas podem fazer com que passemos a ter consciência de outras tantas… Não posso deixar de pensar que algumas pessoas sejam realmente felizes, ou que Deus estava certo quando proibiu o homem de comer frutos da árvore da sabedoria, pois, foi aí que o paraíso acabou…
Continue saboreando muitas maçãs na sua dieta vegetariana!!!
Obrigado pela visita, Marja!
Ignorance is bliss, não é o que dizem? Se bem que nem sei se esse tipo de paraíso vale a pena, acho que não. E também depois de dar uma dentadinha e já se danar por isso, vale mais comer logo a maçã inteira.
Querido amigo,
Primeiramente muito obrigada por você compartilhar conosco suas importantes reflexões e sentimentos a respeito da vida humana.
É mesmo muito comum que o indivíduo tenha dificuldade de conviver com alguém que lhe seja distinto. Criaturas diferentes umas das outras costumam impor-se, reciprocamente, desestabilizações imensas. É como se o diferente pudesse representar ameaça, forjando intranqüilidade. Não seria isso o que você, na verdade, causou aos outros? Tirou a casa da ordem habitual.
Acredito que você compreenda que suas escolhas (aliás super válidas, pois todos nós no fim buscamos a felicidade) possivelmente tenham despertado nos outros o desejo, às vezes até patológico, de uma equalização. Reativamente, tendemos a, egoisticamente, “domesticar” essa pessoa diferente, a querer dominar suas vontades, anseios e opiniões, até como garantia de nossa própria sobrevivência.
De toda forma, se você hoje se sente tão diferente assim, só o que posso dizer é que creio que vem fazendo muito bom uso da situação. Sua postura firme e persistência em ser o que deseja ser pode sim provocar embates, muitas vezes ásperos, porém necessários à reflexão de todos, para que mais dia, menos dia tendamos ao equilíbrio relacional.
Por favor,continue a se posicionar contra as opressões que todos possamos ter causado a você. Somente se aqueles que se sentem oprimidos gritam por liberdade, se os que se acreditam desrespeitados evocam respeito, se os que se admitem vitimados propugnam consideração, nós outros, a “dita maioria” poderemos refletir sobre os nossos sentimentos e atitudes egoísticas. Somente assim que, juntos, vamos poder elaborar primícias dos dias de altruísmo, de fraternidade e de verdadeiro amor nas nossas relações humanas, algo ainda muito rudimentar no nosso planeta.
PS: Também tenho mantido uma dieta vegetariana. Ando estudando muito, venho lendo sobre cura pelos alimentos. Mobilizo-me com a forma como os animais são mortos para nos servirem de alimento e penso que há outras coisas disponíveis para comermos que podem garantir nossa sobrevivência. Vixe!!!! Entrei para um dos seus grupos de diferentes? Creio que as pessoas não compreendem bem minhas razões para apresentar tal comportamento. No restaurante do meu trabalho há opção por proteínas vegetarianas. Outro dia umas amigas riram da minha cara quando eu vi que tinha quibe de soja recheado com banana e muito espontaneamente, falei:” Que delícia”! Muitas vezes eles me acham muito estranha por comer apenas grãos, vegetais e frutas. Meu interesse por outras práticas saudáveis válidas também ajuda a me colocar na categoria “maluca”.
Oi Luana,
Eu sei que as pessoas se sentem ameaçadas pelo que é diferente e por isso tendem a tentar domesticar os outros, e vendo os outros fazerem isso comigo eu fui vendo como eu fazia também isso com os outros. Mas por quê? Não precisava ser assim, só mesmo numa cultura que valoriza muito a igualdade (não de direitos, de respeito, de acesso e de valor – que é a igualdade que eu quero – mas de opinião e de comportamento) é que esse sentimento de ameaça cabe. E não dá mais, não aceito mais isso como parte da minha cultura.
P.S.: Eu também ia achar o quibe de soja com banana uma delícia, principalmente comparado com a comida vegetariana que se costuma encontrar por aí, algo como macarrão com molho de tomate ou arroz com ovo e batata frita. 🙂
Amigo Henrique:
Olha, é mesmo impressionante como a humanidade parece sair praticamente toda da mesma forma.Quase todo mundo age como se soubesse qual o caminho correto, onde encontrar a felicidade ou como e o que é ser ” bem-sucedido”. Se uma pessoa se encaixa, ela é um sucesso, caso se negue a se encaixar teoricamente tendo a faca e o queijo na mão pra isso, é uma louca. ( ou imatura, egoísta, etc…).
Felicidade e ser “bem-sucedido”, aqui na nossa classe média do Rio é, em grande parte fazer uma faculdade e depois arranjar um emprego conectado com o diploma, e emprego de preferência público pra dar o máximo de segurança e previsibilidade financeira, casar e ter filhos.Se a pessoa se encaixa nisso, pode estar vivendo o inferno entre 4 paredes, mas a maioria vai achar que tá tudo bem, que o sujeito deu certo.
Quer ver uma coisa que eu questiono muito?! A maternidade/paternidade.Será que quantas pessoas com filhos aí realmente o fizeram como anseio interno baseado em auto-conhecimento e não pra ceder às pressões sociais que dizem que o ” certo” é ter filhos?!
Realmente ocorre o que vc descreveu muito bem no blog: por aparências bastante superficiais as pessoas já dão seus vereditos e te catalogam sem direito a recurso.Somos, ou deveríamos ser, tão mais do que a nossa profissão e a nossa opção alimentar…tantas coisas que não se pode abarcar numa observação apressadinha…
Beijocas,
Analu
É, você acabou de me lembrar aqui um dos exemplos mais engraçados, que esqueci quando escrevi o texto – realmente não tem tamanho o absurdo de ser chamado de egoísta por não escolher viver minha vida como os outros querem que eu viva.
E concordo que muita gente tem filho só porque acha que esse é o ‘certo’, não tem até aquela história que toda pessoa antes de morrer tem que escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho? Haha.
Beijo!
Bom dia Henrique!
Minha cegueira tá se dissipando aos poucos…
Minha vida deu uma reviravolta a cerca de 10 anos.Mesmo assim teve bastante tempo ainda pra eu começar a perceber o outro.
Tá indo devagar e cada vez me sinto mais e mais sozinha.
Li o comentário da Luana e ela conta que as amigas riram quando ela disse “Que delícia”.É assim.
Tenho a impressão que ainda vou encontrar minha turma.
Mas na verdade gostaria que não fosse só “uma turma”.Gostaria que fosse universal o respeito pela diferença.
Adorei o texto.Pra mim não existe texto longo,só texto cansativo.Este,na minha opinião.Não é.
Valeu.De verdade.
Beijos.Daqui de Manaus.
Cynara,
Que bom que você acha que sua cegueira tá se dissipando. Entendo quando você diz que cada vez se sente mais sozinha, às vezes acontece algo assim comigo também. É comum eu procurar não falar muito quando conheço gente nova, porque eu não tenho a expectativa de ser aceito. Sempre vem aquela pergunta entre as primeiras: ‘o que você faz da vida?’, aí eu digo ‘essa pergunta é complicada’ e pouca gente se dispõe a ouvir. Isso quando eu não tenho que ficar me defendendo mesmo, porque as pessoas que acabei de conhecer querem questionar meu modo de vida. E ainda por cima parece que estranhamente quanto mais se respeita a diferença, mais se fica só, porque muita gente vê uma pessoa defender o diferente como um convite pra ser discriminada junto. Às vezes eu até me disponho a enfrentar isso tudo, mas outras vezes eu não tenho paciência, então prefiro ficar quieto num canto.
Enfim, tomara que você encontre a sua turma, que eu não sei qual é, mas se for a do respeito pela diferença eu quero fazer parte dela também. E eu sei que isso tá muito longe de ser universal – é que a gente na nossa cultura não é preparada para se colocar no lugar da pessoa que é diferente, e além disso a mudança costuma ser lenta, como você falou que tá sendo/tem sido pra você. Mas olha, eu tô escutando por aí várias vozes de pessoas defendendo e trabalhando pro crescimento dessa turma, e acho de verdade que tá funcionando.
Um beijo e obrigado pelo comentário.
Olá,rapaz,gostei muito do que vc escreveu.Desculpe se isso for um espaco exclusivamente pessoal.
Eu sinto muito isso que vc descreveu aqui na Alemanha.
Eu quero entrar numa universidade aqui e tal mas nao sei exatamente o que fazer e primeiro presciso adiquirir proeficiencia na língua.Ai,vira e mexe uma pessoa que acabei de conhecer e que provavelmente nao vai me ver de novo e me pergunta que eu faco da vida e tal(meu teclado nao tem certos acentos nem c com cedilha).Na verdade eu nao sei o que responder pq nao sei examente o que quero e a pessoa continua perguntando num tom de cobranca.Cara me sinto um lixo.Pelo menos no seu lugar(nao querendo dizer que meu sentimento é mais forte que o seu) vc poderia pelo menos inventar que tava se aprofundando em conhecimentos de psicologia lidando com uma pessoa com impacacidade,sei lá.Mas o foda é quando a gente nao tem uma porra de um diploma ou status.Nao sei qual é o pq esse povo se importa tanto com isso.Até em conversa com gente que nunca mais ver na vida.
E sobre essa tirinha ai,mais pura e triste e realidade.Qualquer defeito que UMA mulher tenha já representa uma incapacidade exclusivamente feminina e já é tida como lei.Outra coisa que me deixa louca.
Beijos
Oi, Priscilla!
Aqui não é um espaço exclusivamente pessoal, muito pelo contrário é ótimo que outras pessoas participem, você tá mais que bem vinda! 🙂
Acho que é mesmo como você falou – a expectativa das pessoas é que se faça uma faculdade e se siga aquela profissão, mas já ter cumprido uma parte desse caminho é muito mais ‘perdoável’ que nem ter começado. Tenho a certeza que se eu não tivesse concluído um curso superior o cara que eu citei aí no post teria sido muito mais enfático na cobrança dele (e eu teria me sentido muito mais invisível).
E é triste mesmo a tirinha… 😦
Beijo!
oi meu amigo fofo!
Saudades de vc!
Estes seus textos me ajudam a estar mais próxima de alguma maneira, já que me remetem àquelas longas e inconclusivas conversas ao vivo (ainda bem que sempre em aberto, gerando mais e mais reflexão).
Demorei para ler totalmente seu primeiro post. Na verdade fui digerindo em partes e hj pude lê-lo por completo, inclusive com comentários e suas respectivas respostas.
Interessante que na nossa última conversa por telefone, falávamos do suposto preconceito velado dos americanos contra os hispânicos. Então, descobri que meu problema com o SSN não foi porque marquei HISPANIC no meu formulário. Foi que meu nome latino é muito comprido e “doesn´t fit” no espaço do formulário destinado ao Last Name. Será que posso considerar isso um preconceito? Ou os caras são “práticos” e acreditam que poucos serão os usuários que terão esse problema, já que a maioria norte-americana usualmente só tem um sobrenome?
Muitas coisas que vc discute no seu texto mereciam comentários mais aprofundados. Porém, eu ia acabar escrevendo mais do que vc, num espaço destinado a apenas um comentário, hehe!
Então vou falar daquilo que realmente me cabe comentar aqui:
Acho realmente que as pessoas, sejam elas próximas, distantes, cultas, estúpidas, razoáveis, padronizadas ou undergrounds (que tb virou um padrão), de modo geral, precisam de referências para se posicionarem no mundo. Por mais inúteis que as aulas do C. Americo possam ser consideradas pela maioria dos psis que passaram pelo IP, os textos que tratavam das diferenças entre estereótipo e preconceito e principalmente as consequencias destes para a vida das pessoas em sociedade, podem nos ajudar muito nessa discussão.
Nós recebemos estímulos de nossos pais, primeiramente, depois da escola, amigos, mídia e assim por diante. Tudo isso vai compondo nosso repertório de conhecimentos e experiências sobre tudo. E as escolhas que fazemos, mesmo aquelas que supostamente são padrões de comportamento/ atitudes/ pensamento/ sentimento, nos ajudam a sobreviver no mundo.
Considero impossível viver completamente livre de todas as influências recebidas desde que nasci, há 30 anos! Meus esteriótipos e preconceitos me ajudaram e ajudam a existir no mundo de maneira mais ou menos segura. Meus estereótipos e preconceitos construiram os meus medos (influenciados fortemente pelos padrões que me ensinaram o que é bom, ruim, certo, errado, feio, bonito) e estes medos me ajudam a sobreviver.
Seria maravilhoso se pudéssemos abrir mão de tudo isso que nos é imposto pelo sistema. Mas infelizmente não consigo acreditar que todos poderão um dia ver um bonequinho de palitos com cabelo e achar que é um homem de cabelo comprido… definitivamente é uma utopia radical.
Por isso, meu amigo, apesar de concordar com quase tudo o que vc escreveu, apesar de já ter me sentido oprimida em diversas situações, continuo achando que a única forma de desconstruir esse sistema de uniformização de pensamentos, atitudes, etc, é estando dentro dele.
E mesmo dentro, não me vejo obrigada a seguir os padrões impostos pelos meus grupos de pertência. Tampouco faço escolhas diferentes de todos apenas para contrariar a regra. Minhas escolhas são diferentes e me sinto respeitada por isso. E não acho que o respeito venha dos mil títulos que carrego embaixo do braço ou porque sempre tenho na ponta da língua minhas metas e planejamentos de curto e médio prazo. Eu sempre busco respeitar não só as escolhas dos outros como também a forma como me julgam. E respeitar não é aceitar apenas, no meu entender. É compreender, e de maneira empática.
O caminho que escolhi seguir, que não é definitivo, irreversível e nem linear, tem me ensinado a respeitar as diferenças. E acho que mais do que respeitar diferenças visíveis e declaradas (sexo, raça, etnia, nacionalidade, cultura, formação), aprendi a respeitar valores, pensamentos e sentimentos distintos aos meus. Isso é algo extremamente difícil, que comecei a exercitar pouco tempo atrás como psicóloga e pessoa.
Porém não espero que minhas crenças humanistas sejam verdades universais. Respeitar diferenças é compreender que mesmo sendo bom pra mim, e tendo mais sentido pra minha vida compreender o relativismo nas relações, pode não o ser para a maioria das pessoas. E isso não faz dessa maioria opressora de nada. Eles simplesmente escolheram outra forma de enxergar o mundo e as relações. Forma distinta da minha. E é só isso.
Olá!
Bom que você comentou aqui.
Então, em primeiro lugar não há nenhuma restrição aqui de profundidade ou tamanho dos comentários. Se você tem um monte de coisas para falar sobre o assunto, então cabe um comentário enorme, por quê não? Bom é quando isso acontece.
Sobre a história do formulário: não considero a crença de que poucos usuários terão problemas uma justificativa adequada para manter os problemas. Certamente você não foi a primeira, eles deviam já conhecer esse problema. Claro que não necessariamente é de propósito, mas quando eles decidem não se empenhar muito em corrigir um problema do sistema porque esse problema atinge principalmente um grupo de pessoas que não importa tanto assim, isso é uma decisão, na minha opinião, racista.
Sobre as referências: concordo contigo que as pessoas precisam de referências para se posicionarem no mundo, e concordo contigo que é impossível viver completamente livre das influências recebidas desde que nasci. Mas acredito que essas referências não precisam ser imutáveis, e que essas influências podem ser questionadas. A partir do momento que eu percebo que muitas dessas influências são preconceituosas eu aceito a responsabilidade de resistir a elas. Eu também concordo contigo que meus preconceitos me ajudam a existir no mundo de forma mais segura (porque dei sorte de cair como maioria em muitas coisas), mas frente à escolha de manter essa segurança ou abandoná-la em favor de uma cultura que eu considero mais justa, eu adoto como meta a segunda opção.
Sobre utopia radical: não sei bem o que você quis dizer com isso, seu exemplo foi específico demais. Mas enfim, sobre utopias em geral, o que eu acho é que uma coisa ser impossível ou parecer impossível não impede que se siga um caminho em direção a ela. A meta serve para orientar o caminho, se ela vai ser atingida ou não é irrelevante pra mim.
Sobre desconstruir o sistema estando dentro dele: eu não me acho de maneira nenhuma fora desse sistema, como você falou antes – cresci com essas influências e acho impossível me ver totalmente livre delas. De novo, isso não é motivo para não questionar essas influências. Nesse ponto pelo que entendi concordamos totalmente.
Sobre respeito: não concordo contigo sobre o valor do respeito ao julgamento dos outros. Acho sim, que cada pessoa deve ser respeitada, compreendida empaticamente até, ok. Mas compreensão não implica aceitação, e respeito a uma pessoa não implica respeito a tudo o que ela faz. Aliás, a palavra respeito pra mim nem faz sentido quando aplicada a uma atitude, como um julgamento. Procuro rejeitar qualquer tipo de julgamento preconceituoso – os teus, os meus e os de todo o mundo, e acho isso perfeitamente compatível com o respeito a todos. Portanto respeitar valores preconceituosos eu não posso fazer. Tento respeitar as pessoas que têm esses valores, e entendo que os tenham, como eu também tive e devo ter ainda muitos, mas continuo achando que é responsabilidade de cada pessoa refletir sobre seus valores e modificá-los se forem preconceituosos. Claro que aceito que nem todos concordem comigo nesse ponto, e que nem todos se disponham a modificar seus valores, mas nesse ponto discordo totalmente de você: manter valores preconceituosos faz sim da pessoa opressora, mesmo que ela o seja sem querer.
[…] privilégios. Há várias razões pra isso ter acontecido. Uma delas é que, como escrevi aqui no primeiro post, eu praticamente acertei na mega-sena dos privilégios. Eu basicamente não faço parte de nenhuma […]
Primeiro Cego, adorei, meeeesmo, esse teu blog! (cheguei através do da Lola)
Me espanto (assim como com o dela) com o tamanho dos textos. Mas é uma boa surpresa! Eu não estou muito acostumada a navegar por blogues e os que conheci são mais herméticos, sem falar sobre os comentários. E eu, verborrágica, fico lá, me sentido ETéia total quando me manifesto… rsrs
Os temas são também definitivamente inusitados. Mais surpresa e mais prazer! Acho que você é o primeiro homem que conheço que realmente discute a questão feminista sem me incomodar, me deixar cabreira (olha, confesso que o meu preconceito não me deixa ficar tããão à vontade quanto eu gostaria, e ainda leio com certo receio isso tudo aqui… é, camarada, é estranho quando nos deparamos conosco, envolvidos numa crosta crocante de preconceito, né? mas bem, vamos dizer que esta também pode ser uma grata surpresa se a gente conseguir amolecer essa camada dura…).
Bom, feio (brincadeirinha), vou mas deixo um abraço virtual.
Olhar
Ah! E agora que consegui terminar de ler o post (rsrs), vai uma para desestabilizar as esperanças: se vc tem diploma, mestrado, doutorado, pos-doutorado… o que faz que não ganha rios de dinheiro (ou pior! nem tem esse objetivo na vida!), não tem um carro e não mora no Leblon??? Quem É você? (o diploma só é a porta de entrada para outras ideias pré-concebidas de vida bem sucedida – e sim, de crescimento e amadurecimento, porque do adulto se espera que tome as rédeas de sua vida, como por exemplo fazer tudo o que mandam as grandes corporações do mundo capitalista, comprar todos os brinquedinhos mais caros e bacanas, vestir-se com as melhores e mais finas marcas, arrumar o cara mais rico de todos para te financiar ou a mulher mais linda para exibir… ai! bora parar por aqui, né?)
Beijos
Seu blog é tão bom!
Gostaria de ler mais você…